A ema e Emma

Na canção de Jackson do Pandeiro, a ema geme pra avisar. Avisos nem sempre são alvissareiros. No entanto, é bom estar alerta. Atentos para os movimentos que tentam cercear a liberdade.

“A liberdade é a maior ameaça que pode pesar sobre a autoridade”, afirma Emma Goldman. Isso acontece porque as pessoas são forjadas dentro de uma tradição familiar e de uma rotina que não exigem nem grandes esforços tampouco personalidade. Isso transposto para o mundo da política ocorre com mais força, conforme essa pensadora. Nos círculos políticos não é criado nenhum espaço para a livre escolha, para o pensamento ou para a atividade independentes. “Só encontramos marionetes boas apenas para votar e pagar os impostos.”

“As perseguições contra o inovador, o dissidente, o contestador, sempre foram causadas pelo temor que a infalibilidade da autoridade constituída seja questionada e seu poder solapado.”

Bom, está avisado: este é um blog com escritos libertários.

Quando alguma ameaça pairar sobre nossas cabeças, a ema vai gemer.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Documentário Hiato :

Depois de um longo silêncio, a ema voltou a gemer. Gemeu dentro de mim, chacoalhou meus conceitos e me fez perceber como é difícil não ser engolida pela engrenagem. Que é preciso estar vigilante sempre para não ter a desagradável surpresa de se ver do lado em que não queria estar e de olhar o outro como nunca gostaria de olhar.
O vídeo postado a seguir, filmado há 14 anos, mostra como a sociedade ainda se encontra presa a amarras podres: preconceito, discriminação, egoísmo, desprezo pelo próximo. Pobres e ricos não podem compartilhar o mesmo espaço, isso fica bem claro. Espaço de consumo é espaço de exclusão, só deve ir lá quem pode consumir. Assistam e vejam o que não mudou desde a filmagem de “Eu só quero conhecer o Shopping” e o “Rolezinho” dos dias atuais.
O apartheid urrando na nossa cara e a gente fingindo que democracia racial existe.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Almas em cruz

Cruz das Almas, cidade de alma e labor femininos. Forjada labuta das charuteiras – hoje, operárias do fumo. Cidade mulher cujas ruas emprenham ao toque das sirenes das fábricas e cujo ar se impregna do cheiro acre do fumo à passagem dos anjos da indústria tabacaleira. Agora, outros espaços também se enchem de jovens trabalhadoras, são as fábricas de calçados, são os balcões das lojas de roupas e das de jogo do bicho, são os caixas de supermercados. Cidade fêmea cuja feminilidade invade as ruas mas não ocupa os espaços de poder. Muitos anos se passaram até que a ruptura dessa lógica começasse a trincar as paredes do parlamento, das repartições públicas e dos partidos políticos. Empunhando seus instrumentos de trabalho – caneta, enxada, agulha, linha, mãos e o saber – essas mulheres cruzalmenses são os novos sujeitos sociais a ocupar os espaços até então, para elas, quase interditos. Para isso, se organizaram, resgataram as bandeiras de antigas lutadoras como Jacinta Passos e começam a construir uma nova história, com nomes e identidades plurais; esculpem com mãos firmes e retórica afiada a nova alma da cidade, apesar de todas as cruzes. 

Texto originalmente publicado em Junho 2006

domingo, 2 de dezembro de 2012

deus, o estado e nós


Há dias atrás, chorando as mágoas e as desilusões com a política, uma amiga propôs a formação de um grupo de estudos que nos ajudasse a compreender o processo e o comportamento das pessoas nele inseridos.
Mencionou atabalhoadamente alguns temas, dentre eles as teorias anarquistas. Meus olhos piscaram negros como a bandeira do movimento.
Passou o tempo e não se falou mais nisso.
Hoje pela manhã, meu olhar pousou num dos livros adormecidos na escada. Sim, meus livros não estão organizados em estantes de acordo com o tamanho ou cor da capa, tampouco por tema. Poesia mistura-se com física e sociologia, romances com filosofia e a cura pelas plantas, todos (in)devidamente distribuídos em mesas de centro, mesa de cabeceira, banheiro. Qualquer lugar em que se possa vê-los e quiçá folheá-los.
Foi assim que me deparei com o exemplar de Deus e o Estado, do explosivo Mikhail Bakunin. (Seria serendiptia, Sandroekel?)
Pois se é pra começar, então façamos pela base, certo?
A nossa inquietação provinha, por linhas tortas, da raiz de todas as dores: o poder. Quem mais apropriado do que Bakunin para orientar nossa busca? Ele que entra em cheio no problema da legitimidade do poder.
Já na introdução do livro, Maurício Tragtenberg apresenta a questão basilar para compreensão do tema que são os estudos aprofundados feitos por Max Weber sobre “as formas da legitimidade do poder estatal através do tempo”.
Só isso já seria assunto para vários encontros do grupo. Logo de cara colocaríamos o dedo numa delicada ferida: religião. Com uma ou duas exceções, o grupo é composto por pessoas que professam religiões de base cristã.
Será que superaremos essa barreira? Discutir poder tangenciando as formas de dominação fundadas quer no Direito Divino (Séculos XVI e XVII) ou na legitimidade burocrático-legal, mas cujos desdobramentos nas constituições modernas não prescindem da legitimidade tradicional?
Lembremos a discussão no Congresso Constituinte, no final da década de 1980, no Brasil a respeito da promulgação da Constituição “em nome de Deus”. Estado laico, hem?
Tragtenberg menciona que as relações entre Igreja e Estado “apresentam aspectos diversos conforme a constelação histórica em que aparecem.”.
Enfim, seja qual for a constelação histórica, Bakunin vê a ação da Igreja e do Estado como a “fundação do materialismo próspero do pequeno número sobre o idealismo fanático[1] e constantemente faminto das massas.”.
Bom, isso é só o começo. Será que aceitaremos o desafio?

“É o privilégio que corrompe, os privilégios econômicos e políticos depravam o espírito e o coração.” Mikhail Bakunin



[1] Grifo meu

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

estrelas, corações e endireitamento esquerdista


As políticas sociais implantadas durante o governo Lula, ao elevar economicamente um grande contingente de pobres, criaram a ilusão do fim da luta de classes. Inserir no mercado de consumo as classes menos favorecidas sem que, paralelamente, fosse trabalhado e elevado o nível de politização e consciência de classe, fez com que essas se identificassem com a classe média dominante e suas idéias conservadoras. Os resultados dessas eleições são uma demonstração desse processo, mas também contaram com o “auxílio luxuoso” de líderes e governantes petistas que se assenhorearam dos cargos e rasgaram o estatuto do partido.

Isso me lembra um artigo de Frei Betto escrito em 2007 intitulado “Como endireitar um esquerdista”. Primeiro, ele conceituava esquerda, direita e esquerdismo. Esquerda, classificação surgida na Revolução Francesa, significando optar pelos pobres, indignar-se frente à exclusão social, inconformar-se com toda forma de injustiça ou, citando Noberto Bobbio, “considerar aberração a desigualdade social”.

“Ser de direita é tolerar injustiças, considerar os imperativos do mercado acima dos direitos humanos, encarar a pobreza como nódoa incurável, julgar que existem pessoas e povos intrinsecamente superiores a outros”, lembrava ele.

Já o esquerdismo é uma patologia diagnosticada por Lênin como “doença infantil do comunismo”. Ou seja, é ficar contra o poder burguês até fazer parte dele. “O esquerdista é um fundamentalista em causa própria. Enche a boca de dogmas e venera um líder.”

Conseguiram identificar alguns?


Para o esquerdista, povo é aquele substantivo abstrato que só lhe parece concreto na hora de cabalar votos, diz Frei Betto. Por isso, o esquerdista se aproxima dos pobres, não para tentar mudar a situação deles, e sim com o único intuito de angariar votos para si e/ou sua corriola. Passadas as eleições, adeus trouxas, e até o próximo pleito. Ele foi eleito ou conseguiu um emprego ou um bom cargo público, enfim, aboletou-se na cadeira.

E agora vem a parte do artigo que cutucou a ferida com o dedo. "Se um companheiro dos velhos tempos o procura, ele despista, desconversa, delega o caso à secretária, e a boca pequena se queixa do “chato”. Agora todos os seus passos são movidos, com precisão cirúrgica, rumo à escalada do poder. Adora conviver com gente importante, empresários, ricaços, latifundiários. Delicia-se com seus agrados e presentes. Sua maior desgraça seria voltar ao que era, desprovido de afagos e salamaleques, cidadão comum em luta pela sobrevivência.

Os ideais, as utopias e os sonhos são jogados na vala do esquecimento. O pragmatismo, a política de resultados, a cooptação e otras cositas mas passam a fazer parte da nova cartilha do esquerdista.

Desse modo, qual a diferença que o povo vai perceber?

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

cores e números



Há algumas décadas fora anunciado o fim das ideologias. No final da década de 1950 com o sucesso do capitalismo e o fim do comunismo no Ocidente (mas Cuba surpreendeu no final da década e implantou o comunismo) e na década de 1990 com a derrocada da União Soviética e a consolidação da globalização econômica.
Para os que assim pensam, o mundo teria atingido seu ápice civilizatório, com o predomínio a democracia e pleno acesso aos bens de consumo.
Quando dizem isso, intelectuais norte americanos e europeus estão olhando para o próprio umbigo e com lentes cor-de-rosa. Pois se aprofundarem o olhar para o resto do mundo e para seus próprios países, seus olhos nus mostrarão outra realidade. A África e suas mazelas, a América do Sul e sua permanente luta por emancipação e as próprias nações do norte enfrentando crises de grande porte, mas sem querer perder a pose.
O Brasil da última década vem passando por transformações que, se por um lado se configuram como avanço, por outro contribui para o modelo dominante voltado para o consumo de bens duráveis (nem tão duráveis assim), Isso sem falar nas demais concessões ao neoliberalismo e na convivência com forças conservadoras.
Neste ano de eleições municipais, as questões postas acima afloram no modelo de campanha intensivamente capitalizada e na falta de identidade ideológica dos eleitores. Como não há um marco claramente perceptível entre os partidos e coligações de direita e de esquerda, o eleitorado se inclina para o lado que lhe oferece vantagens individuais. Há uma clara perda da visão de coletividade. Grupos seguem esse ou aquele candidato pelo que podem vislumbrar para si ou sua família, para se vingar do ora adversário que não atendeu aos seus pleitos, enfim, qualquer motivação particular.
E assim colorem-se as cidades com bandeiras de diversos matizes salpicadas de números vazios. Onda de uma cor pra lá, onde de outra cor pra cá e os eleitores se embalam ao sabor dessas ondas sem saber exatamente a que mares elas irão conduzi-los ou em que porto irá desembarcá-los.
Cá no meu canto contemplo tristonha, pois detesto ser expectadora.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O lugar das mulheres na política - I


Ser mulher num mundo estruturado sob a lógica masculina se apresenta como o desafio fundador dos movimentos de mulheres e feminista. Se, somado ao fato de ser mulher, a pessoa colocar entre os seus propósitos ser dirigente ou candidata a cargo eletivo, o desafio se multiplica numa equação bem mais complexa.

As organizações de esquerda colocam-se em posição de destaque no panteão das lutas sociais como aquelas emblemáticas na busca pela emancipação da classe trabalhadora. Na medida em que se compreenda classe numa perspectiva marxista, tem-se um segmento da sociedade formado por homens e mulheres. Ao se aprofundar a caracterização desses homens e mulheres, vão ser encontradas pessoas de diferentes idades, religiões, orientação sexual, formação, gostos, habilidades e, se aqui coubesse, uma imensa variedade de características e/ou identidades.

Tendo-se, assim, a compreensão dessas organizações como legítimas representantes e defensoras dos interesses da classe, logo pode-se pensar que as entidades que a constituem possuem na sua base representantes das características e/ou identidades acima mencionadas, portanto, pelo seu caráter democrático, devem possuir na sua estrutura dirigente representações de todas essas identidades.

Saindo do plano das idealizações e pressuposições para adentrar no mundo real, o que se visualiza são organizações cuja base é marcada pela pluralidade mas cuja cúpula dirigente se constitui, predominantemente, pelo perfil HH, ou seja, homens heterossexuais. Essa constituição pode ser melhor compreendida a partir das teorias do poder e da liderança, das quais Emile Durkheim e Max Weber são formuladores basilares.

Qualquer modalidade de poder, consentido ou violentamente exercido, pressupõe uma representação do grupo e aceitação do líder, seja essa aceitação voluntária ou imposta. Portanto, quer do ponto de vista jurídico ou como fenômeno histórico ou até psicológico, o exercício do poder demanda lutas pela liderança, pela chefia, desde as primeiras sociedades até as mais modernas ou infra-humanas.

A capacidade que um indivíduo possui de influenciar outro fundamenta-se em alguns fatores que constituem as bases de poder, a exemplo da especialização (habilidade técnica), legislação (dispositivos legais), informação (posse de ou acesso a), conexão (rede de influência), punição ou recompensa (capacidade de infligir danos físicos, materiais ou psicológicos) e referência (atributos pessoais). Como no caso presente, está se tratando de uma forma específica de poder, o poder político, mais uma vez, recorre-se a Max Weber o qual enxerga os partidos políticos como sendo, antes de mais nada, organizações de poder político.

Nesse sentido, Max Weber concebe os partidos políticos como agremiações que visam "proporcionar aos dirigentes o poderio no seio de um agrupamento político [o Estado] e aos militantes oportunidades ideais e materiais de realizarem objetivos precisos ou de obterem vantagens pessoais." (1)

Segundo uma tipologia desenvolvida por esse autor, os partidos políticos inserem-se em três categorias. 
1.Quanto a sua duração: 
a)Partidos duráveis e 
b)Partidos efêmeros. 

2.Quanto a sua origem: 
a)Partidos de patronato; 
b)Partidos de classe ou de ideologia. 

3.Quanto a sua estrutura: 
a)Partidos de estrutura legal; 
b)Partidos carismáticos; 
c)Partidos tradicionalistas.

Interessa-nos compreender a participação das mulheres em partidos duráveis (existem há cerca de três décadas ou mais), de classe ou de ideologia mas que, ainda assim, atribuem relevância à figura do líder, bem como são organismos de luta política nos quais, por detrás da aparência de democracia interna, prevalece, não raro, o devotamento da militância à figura do chefe ou líder que o dirige ou exerce influência direta na escolha dos dirigentes.

Nesse tipo de cenário, observa-se o predomínio masculino nas posições dirigentes, mesmo que não sejam maioria no conjunto militante. Pesquisa realizada nos pleitos eleitorais (2004, 2006 e 2008) mostra que, embora sejam maioria do eleitorado, as mulheres ainda são minoria nos cargos eletivos (22,05 % de candidatas a vereadoras, 11,38 de candidatas a prefeitas, em todo o Brasil. Base de Dados do TSE http://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br/2011_SPM_3Conf_Tabloide_Web.pdf
Também no conjunto de filiados a partidos políticos os índices também são baixos, muitos sequer cumprem a cota de 30% .

(Esse texto é parte de um artigo escrito por mim e por Marisete Andrade)